Em um dos momentos mais tensos da guerra na Síria, conflito que completa seis anos em março, teve início uma batalha pela água no país. No dia 23 de dezembro, o fornecimento de água potável para cerca de cinco milhões de habitantes da capital, Damasco, foi interrompido pelo Departamento de Água da cidade, que apontou uma contaminação da água com diesel e a atribuiu aos rebeldes. A afirmação foi publicada no site da ‘BBC Brasil’, pela especialista Diana Darke.
Os rebeldes negam que tenha contaminado a água – segundo eles, os bombardeios do governo é que danificaram a infraestrutura de fornecimento.
No centro do problema está uma fonte de água potável histórica, a Ain al-Fijeh, que fica no vale de Wadi Barada, a 18 quilômetros a noroeste de Damasco, local onde estão dez vilarejos sob o controle dos rebeldes desde 2012.
Os moradores da região se juntaram à rebelião logo no início, em 2011, para protestar contra o abandono do governo, a corrupção e a tomada de terras que foi legalizada graças a novas leis de ajuste territorial.
Seguindo essas novas leis, grandes áreas foram tomadas para a construção de clubes esportivos e hotéis de luxo.
No dia 22 de dezembro, o governo do presidente Bashar al-Assad começou uma ofensiva para retomar o controle estratégico do vale e da fonte de água, usando para isso bombas lançadas de helicópteros e apoio terrestre do movimento Hezbollah.
O momento do ataque foi escolhido cuidadosamente: apenas dias antes do anúncio de um cessar-fogo fechado graças ao apoio da Rússia e da Turquia, oficializado em dia 29 de dezembro.
Rede
Antigas inscrições romanas nas margens do rio Barada
Antigas inscrições romanas nas margens do rio Barada
O Desfiladeiro de Barada surgiu há milhões de anos, em meio à Cordilheira Antilíbano. E o rio Barada, que corre por esse desfiladeiro, ainda passa pelo centro de Damasco.
Hoje o rio é apenas uma sombra do que foi. Na maior parte do ano, fica com o volume menor no centro da capital síria devido à seca e à poluição.
No passado, era fonte da lendária fertilidade de Damasco, a razão de a cidade estar onde está – em um oásis de jardins e pomares conhecido como Ghouta.
Esse rio era e ainda é alimentado pelas águas do Monte Hermon, a montanha mais alta da Síria, citada na Bíblia 15 vezes.
Ela fica com o topo coberto de gelo até a metade de junho – a quantidade de neve que cai no inverno é uma indicação direta de quanta água Damasco terá durante o ano.
O rio Barada, conhecido em tempos antigos como Abana, recebe água de outros sete rios cujos percursos foram desviados através de canais complexos construídos ainda na época do Império Romano.
Os aquedutos chegavam até o centro de Damasco, e a cidade era alimentada por uma rede complicada de canais que permitiam a chegada da água a cada casa.
Pontos de distribuição sofisticados construídos pelos otomanos também enviavam água para casas de banho públicas, mesquitas e fontes públicas.
Até hoje a maioria das casas têm uma torneira especial em suas cozinhas, diretamente ligada à essa fonte.
Cafeteria
No verão, as famílias locais vão ao Wadi Barada toda sexta-feira e em feriados, geralmente alugando uma plataforma na margem do rio para passar o dia.
Essas plataformas têm uma espécie de toldo que se abre para o lado do rio, o que dá privacidade para os visitantes relaxarem e desfrutarem o ar fresco.
Pequenas escadas de aço, fixadas na plataforma, permitem que as pessoas desçam e nadem no rio.
No século 16, às margens do Barada nos arredores de Damasco, surgiram as primeiras cafeterias.
Os peregrinos se reuniam ali antes de chegar a Meca e esperavam a chegada de outras pessoas para formar uma caravana maior e se proteger de ataques das tribos que moravam no deserto.
Gravuras do século 19 mostram cenas de cafeterias nas margens do Barada.
Inscrições em latim
Perto do vilarejo de Souq Wadi Barada ainda é possível ver e visitar os enormes buracos no desfiladeiro.
Eles fazem parte do sistema de água ainda criado pelos romanos: túneis complexos escavados em rocha que levavam a água até Damasco.
Em partes da antiga estrada romana entre Baalbek, no Líbano, e Damasco é possível ver inscrições em grego – o idioma oficial – e em latim – o dos soldados.
As inscrições descrevem como a estrada foi construída novamente, desta vez em um terreno mais alto, para evitar as destruições causadas por enchentes.
‘Quintal do Hezbollah’?
Trata-se de um ponto estratégico também para a milícia Hezbollah, que acredita que a área é seu quintal, ligado à sua fortaleza na libanesa Baalbek.
O governo sírio, por sua vez, afirma que o Wadi Barada abriga combatentes do grupo Jabhat Fateh al-Sham, que é ligado à al-Qaeda e já foi chamado de Jabhat al-Nusra, e que isso justifica as ações do governo na região.
Os moradores da área insistem que apenas o Exército Sírio Livre, que é mais moderado, está no local.
Monitores da ONU e autoridades da Rússia não conseguiram permissão do Hezbollah para entrar na áreas.
Por isso, ainda não se sabe a verdade sobre quem se esconde ali. E, como acontece com frequência na Síria, é impossível saber quem realmente se esconde atrás do caos gerado pela guerra ou, neste caso, embaixo das águas do Barada.
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