Em iniciativa inédita, a família do sírio muçulmano Talal al-Tinawi e outros refugiados foram recebidos pela comunidade judaica na sinagoga Beth El, na semana passada, em São Paulo, dentro de ação da ONG Migraflix, que tem por objetivo a inclusão social e econômica dos refugiados e a integração entre diversas culturas.
Dentro dos depoimentos que a família deu para a comunidade, a esposa de al-Tinawi, Gazhal, disse que o acolhimento no Brasil a surpreendeu. Ela viveu momentos traumáticos ao ter de deixar parte da família, inclusive o pai, de 80 anos, na Síria. Mesmo estabelecida, a distância faz a saudade não parar de latejar. Segundo ela, seus trajes típicos muçulmanos ainda causam certa estranheza no País. Mas ela demonstra estar conseguindo superar qualquer tipo de desconfiança.
“O hijab (véu islâmico) é um item religioso. Não somos terroristas. Somos defensores da integração entre os povos. Meu hijab é um símbolo da paz. No começo eu tinha receio em viver no Brasil. Pensava até que as mulheres iriam ficar olhando para o meu marido. Hoje, já tenho mais amigas aqui do que tinha na Síria”, diz Gazhal.
No fim de 2013, a família de al-Tinawi, um bem-sucedido engenheiro mecânico muçulmano, de origem síria, foi abalada por um verdadeiro furacão. De uma vida próspera na bela Damasco, se viu diante do barulho ensurdecedor de bombas que cada vez chegaram mais perto de seus apartamentos na capital síria. Hoje, seus integrantes poderiam estar entre as milhares de vítimas da guerra.
Al-Tinawi chegou até a ser preso, confundido com um inimigo do ditador Bashar al-Assad. Meses depois, porém, a família conseguiu chegar ao Brasil, o único país que aceitou recebê-los após muita insistência, e iniciar uma nova vida.
Auxílio e integração
Além dos depoimentos do casal, o evento contou com uma apresentação da banda Mazeej, composta por cristãos, judeus e muçulmanos, no projeto coordenado pela ONG, em parceria com o grupo de jovens Conecta. A reunião possibilitou até auxílio em relação à formalização de documentos de alguns refugiados, por meio de orientação de advogado presente na plateia.
Um dos componentes da banda é o sírio de origem palestina Salam al-Sayed, que viveu muito tempo na cidade de Rosh Pina, perto de Safed, no norte de Israel. Ele toca alaúde. “Cresci brincando com meninos judeus. Sempre tive um bom relacionamento. Acho que as questões políticas são outra situação, complexa, mas que têm solução”.
Outro integrante do grupo musical, também sírio, é Wessam al-Kourdi, violonista e professor de inglês. Ele deixou a Síria, com sua mulher e filho, após um intenso tiroteio ao lado de sua casa, e se tornou refugiado no Brasil. “Vi que era o momento de sair, senão poderíamos morrer. Estou pessimista em relação a uma solução para o conflito lá. Nem sei se conseguirei voltar ao meu país. Acho importante sermos acolhidos e fico contente com a receptividade da comunidade judaica. É um exemplo para o mundo e uma demonstração clara de que nossas religiões têm um forte parentesco e podemos conviver muito bem”.
O diretor-musical do grupo, Daniel Szafran, disse que a iniciativa não tem relação direta com a identidade do Estado de Israel. “Neste trabalho, amo Israel como judeu, amo a terra de Israel, mas a iniciativa é independente da política. Dentro do território musical o conflito não existe e a ação serve para somar ideias e criatividade em prol da paz”.
Para um público que lotou a sinagoga, al-Tinawi contou que, após três meses morando na casa de um sírio no Brasil, conseguiu se estabelecer. Trabalhou como engenheiro durante alguns meses, mas, segundo ele, o projeto da empresa não deu certo. Foi demitido e resolveu abrir um restaurante de culinária árabe. Conseguiu mudar de sede, indo para o bairro nobre do Brooklin, graças a um crowdfunding (arrecadação de fundos pela internet) no qual arrecadou cerca de R$ 70 mil. Bom negociante, sabe fazer propaganda de seu produto.
Seu filho, Riad, de 13 anos, tem na professora Cristina Catalina Charnis, de origem judaica, uma de suas principais referências. Ele ganhou bolsa de uma escola particular até o fim do Ensino Médio. Al-Tinawi considerou “ruim” a escola pública em que os filhos (ele ainda tem uma menina, Yara, de 10 anos e um bebê de 1 ano e três meses) estudaram antes.
Com estilo extrovertido, al-Tinawi já conhece alguns segredos para se obter sucesso no Brasil. E dá a receita com um sotaque ainda arrastado, de como o país em crise econômica pode voltar a ser uma terra de oportunidades: “O primeiro passo é trabalhar muito e dormir pouco. Há muitas oportunidades mas tem de ficar de olho. O segundo passo é se adaptar à demanda. São Paulo tem muitas culturas. Cada um quer a comida de um jeito, é diferente de Damasco. E o terceiro passo é saber lidar com a burocracia”.
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